sábado, 10 de abril de 2010

A verdadeira face de Cavaco


Como ficou claro na primeira intervenção do novo líder do PSD, na abertura do conclave social-democrata, as próximas eleições presidenciais serão o pólo fundador de um novo ciclo político.


E isso significa, como também já não restam muitas dúvidas, que o PSD procurará compensar a orfandade de liderança que o assola desde a “fuga” para Bruxelas de Durão Barroso, unindo-se em torno da figura paternalista do Presidente da República. Mais do que o sonho de um Presidente, uma maioria e um Governo, profetizado por Sá Carneiro, e acalentado pelos principais partidos do sistema desde o 25 de Abril, esta união será também a “deixa” perfeita para o regresso ao poder dos social-democratas, depois de José Sócrates e o PS terem tomado todas as medidas impopulares que a crise económica reclamava.


De Cavaco o PSD obterá, com toda a probabilidade, a benesse de uma dissolução parlamentar, em meados de 2011, quando a situação financeira parecer mais controlada, e com o argumento de que é necessário desbloquear a situação de instabilidade política que a ausência de maioria parlamentar do Governo tem provocado. E obtê-la-á para abraçar o poder em “estado de graça” e por lá permanecer por longos anos, com a certeza de que outros arcaram com as responsabilidades das decisões desagradáveis e um novo tempo de “vacas gordas” se aproxima.


A política vive de estratégia, e a do PSD, longe de poder ser condenável, é efectivamente inteligente. Mas o que é verdadeiramente inadmissível é que Cavaco, ao arrepio do espírito das funções presidenciais, e depois de ter acusado Soares de ser o rosto da oposição ao seu Governo e abrir ao PS as portas do poder, se prepare para fazer exactamente o mesmo. A sua auto-proclamada independência, aliás, já ficou bem evidente neste mandato que não passava de uma miragem, quando procurou (ainda que com notável inabilidade) lançar um escândalo político que minasse a confiança no partido do Governo perto das eleições, assim apadrinhando os seus “protegidos”, então ao leme do PSD.


Por isso, estas eleições presidenciais, são para a esquerda um desafio decisivo. Mais do que acalentar divergências sectárias ou aproveitar a ocasião para vingar afrontas passadas, a esquerda terá que escolher, com toda a clareza, se pretende unir-se, ou prefere patrocinar o passeio tranquilo de Cavaco, rumo à reeleição.


Há momentos em que, aquilo que nos une, deve estar acima daquilo que nos separa. E se a esquerda portuguesa tem inúmeros focos de divergência – alguns genuinamente políticos e ideológicos, outros meras questiúnculas pessoais – acredito (ou quero acreditar) que tem entre si uma matriz comum, uma referência, em nome da qual deve estar a disposta a unir-se. Porque a alternativa à união é a derrota, e, porventura, a derrota mais estrondosa e mais duradoura de que há memória desde o início da Democracia.


Essa união, realisticamente, só pode fazer-se em torno de Manuel Alegre. Mau grado discordemos do seu discurso por vezes excessivamente lírico, notemos que, nos últimos anos, preferiu conservar a sua imagem do que apoiar o partido que o elegeu, nos momentos de maior dificuldade, ou acreditemos que pessoalmente pode não representar a solução mais “renovadora” no seu espaço político.


A verdade é que o seu percurso de independência, o seu espírito de cidadania e a sua entrega corajosa à causa pública, são um capital de credibilidade inalienável. Que contrastam com o calculismo e tacticismo frios de Cavaco Silva, que, coloca o poder acima do interesse nacional, e prefere não o usar como lhe era exigível, para se manter consensual, para não se “comprometer” nem cometer “gafes” – e assim garantir a eleição para um segundo mandato, onde livre do fantasma da reeleição, poderá finalmente mostrar a sua verdadeira face.